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sábado, 5 de março de 2016

A investigação - Parte 2

Dentro do quarto tentando recuperar meu fôlego, percebo que estou um pouco machucada.
Minha boca está cortada, meu olho direito machucado, roxos nos braços, joelhos e pernas, sangue pisado e um corte no dedão do pé.
Ligo para meu marido em Bahrain e pro meu chefe em Fahud, tento explicar a história aos soluços. A solução era encontrar alguém nesse acampamento para me ajudar nesse caso, ligamos pro supervisor.

Uma hora depois ouço batidas na porta. Grito "quem é" e ouço uma voz familiar dizendo "é o Fulano da sua equipe junto com o supervisor".

Abro a porta e começo a cuspir a história no meio de soluços. Não sei de onde me veio esse palpite tão específico: "acho que foi alguém da equipe da cozinha, estava vestindo uma camisa branca e uma calça comprida, com um turbante quadriculado enrolado no rosto". Algo naqueles olhos enrolados no turbante me lembrou um olhar estranho que recebi na hora do almoço no refeitório. Acho que nós mulheres sabemos quando cachorros nos olham como um frango de padaria. Me lembrei que o sotaque dele era de um estrangeiro falando árabe. Aqui todos os funcionários dos refeitórios e limpeza são sempre estrangeiros.

Chamaram a polícia e ao mesmo tempo decidiram acordar toda a equipe da cozinha. Abriram a porta do quarto deles e pediram pra todos os três cozinheiros saírem. Dois saíram com a roupa que estavam dormindo. Um terceiro homem trocou uma camisa branca por uma camisa vermelha antes de sair do quarto. Suspeitei de algo.

Quando eles saíram logo vi que os dois primeiros não batiam com a imagem que eu tinha. Um era muito magrelo e outro barrigudo. O terceiro homem, no entanto, batia com a imagem que eu tinha em mente.
Mas o chefe da equipe da cozinha falou: "porque você acha que é alguém da minha equipe e não omanis?" Omanis, como são chamamos quem nasce no Oman. Eu disse que o sotaque não era de árabes (sou casada com um árabe, sei diferenciar oras). Mas o supervisor logo disse: "não seja por isso, vamos acordar todas as pessoas desse acampamento para ela identificar o suspeito".

Com isso acordaram todos as pessoas (por volta de 30) que estavam passando aquela noite no acampamento, inclusive os omanis, e os colocaram na minha frente. Fui falando que eles não batiam com a descrição, alto demais, baixo demais, preto demais, branco demais, etc. Nenhum deles se aproximava da minha memória tanto quanto aquele terceiro homem. Foram dispensados e voltaram aos seus quartos.

Lembrei do turbante e minha equipe entrou no quarto dos cozinheiros, pegaram dois turbantes e colocaram na minha frente. Escolhi um que era cinza e vermelho com quadradinhos pois era a imagem que eu tinha em mente. Adivinha a quem pertencia. Àquele terceiro homem.

Pedi pra todos os presentes incluindo minha equipe e supervisor a me perguntarem se eu falava árabe em árabe não em inglês, pois era a única frase que eu ouvi antes de ser atacada. A minha idéia era tentar identificar o suspeito pelo sotaque e timbre da voz.
Alinhados na minha frente, todos repetiam  um de cada vez "tatakalam alarabía" exceto quando chegou a vez daquele terceiro homem. Que se fez de bobo e perguntou na língua dele. Minha equipe estava começando a ficar brava, pois todos já estavam suspeitando desse cara. Foram até ele e pediram pra ele repetir "tatakalam alarabía". Naquele momento eu reconheci a voz e como cheguei mais perto reconheci o mal cheiro

Minha equipe estava analisando o cara e percebeu que ele tinha uma tatuagem no braço. Não, eu não lembro de tatuagem. "Como você não viu essa tatuagem?" E começaram a duvidar de mim. Mas todas as outras pistas já bastavam pra mim. A troca de camisa, o turbante quadriculado, a voz, a recusa de repetir a frase, o cheiro. No momento em que procuravam por marcas de mordidas na mão dele, acharam um pequeno arranhão muito recente no braço dele. Isso foi a prova que precisávamos pra levá-lo pra delegacia.

A polícia chegou.

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